domingo, 30 de novembro de 2008

Made in Brasil? No, gracias

Foi tão difícil escutá-lo, que não esquecerei nunca. Tinha pouco menos de um ano morando no México, no já distante 1990, quando um dia acompanhei meu cunhado mexicano até uma loja de peças, para que ele comprasse um pára-choques novo para seu velho Fusquinha. Na loja, o vendedor fez a pergunta fatal: “O senhor quer o pára-choques bom ou o brasileiro?”. Como diria a música interpretada por Maysa: “Meu mundo caiu”. Qualquer vestígio de orgulho brasileiro que eu pudesse sentir veio abaixo. O pior de tudo é que, mais do que um fato isolado, a imagem desse vendedor sobre os produtos que chegam do Brasil, é uma opinião generalizada, que pega mais forte no universo dos automóveis.
Tudo começou com alguns fabricantes de peças. Atolados numa economia fechada que não os deixava enfrentar-se contra os melhores do mundo, certo número de fabricantes brasileiros de autopeças só conseguiam exportar por causa do preço, tirando proveito da eterna fraqueza das moedas brasileiras, chame-se cruzeiro, cruzado ou cruzado novo. Até o real viveu sua etapa de debilidade.
Esse costume chegou até os automóveis e, infelizmente, dura ainda hoje por culpa do sistema de produção de algumas montadoras.
O primeiro carro brasileiro que chegou ao México nessa época foi o Volkswagen Gol, que foi rebatizado como Pointer. Por causa da elevada altura da maioria das cidades mexicanas, que com muita freqüência ultrapassa os dois mil metros, só a versão com motor 1.8 chegou. O carro fez um enorme sucesso. Era bonito, relativamente potente (para os padrões mexicanos) e barato. Vendeu tanto que chegou a ameaçar o líder Nissan Tsuru, um Sentra de quatro gerações atrás, que ainda hoje é o carro mais vendido do país. Com o passar do tempo, porém, as coisas foram tomando de novo seu lugar, para nossa (dos brasileiros) desgraça. Os carros começaram a quebrar. Havia muita demora em conseguir peças de reposição e o serviço dos distribuidores de VW deixava muito que desejar. Tudo isso foi criando um clima de desconfiança e medo dos produtos brasileiros.
Para completar (e piorar) as coisas, a imprensa mexicana ajudou —e muito— a denegrir a imagem dos autos e produtos brasileiros, que inundavam o México empurrados pelo seu principal motor: o preço baixo. Tudo vinha do Brasil: Gol, Parati, Saveiro, Corsa, Astra, EcoSport, Fiesta, Golf, Classe A, Audi A3, etc. Então, entrava outro ingrediente em jogo, que ajudava a afundar ainda mais a imagem dos nossos produtos: a rivalidade entre as duas maiores potencias da América Latina. Com a balança comercial automobilística completamente desfavorável, os meios de comunicação mexicanos atacavam a todos os produtos brasileiros. Claro, só falavam dos produtos mais fracos e apontavam onde doía mais, por ser visível: o acabamento dos carros de baixo preço. Quando um automóvel como o Chevrolet Chevy (um Corsa de duas gerações atrás, fabricado no México) tem acabamentos mal feitos, é porque é um carro barato. Mas quando um EcoSport não agradava, era por culpa de sua origem. Nenhum jornalista mexicano lembrava (e ainda não lembra) que carros como o Classe A, o A3 ou o Honda Fit, também vinham ou vêm do Brasil. Portanto, um mau acabamento de um Fiesta não é um problema da Ford, é do Brasil. Os bem feitos são esquecidos.
Alguma razão eles têm. O fato de que a indústria brasileira tenha ficado tanto tempo fechada, repito, fez que ela perdesse competitividade. Nos carros, isso é realmente mais percebido na qualidade dos plásticos interiores e da montagem. Hoje, com o real ainda forte apesar da recente desvalorização, o Brasil tem que mudar e competir por qualidade. Do mesmo jeito que acontece com companhias como as americanas, que estão se afundando por causa de seus produtos inferiores, em qualidade, aos europeus e japoneses.
Outro problema é o elevado nível dos impostos no Brasil, que fazem que os carros sejam tão caros, que para conseguir vendê-los as montadoras tenham que brigar para economizar cada centavo, com ainda mais veemência do que fazem outros países.
O Brasil fabrica carros que são muito atraentes para mercados emergentes, como o mexicano, por exemplo. Poucos veículos nacionais entram em mercados de primeiro mundo, com a exceção (talvez única) do Fox, que apesar de exportar ao Velho Continente sua melhor e mais caprichada versão, é considerado lá um carro de baixo custo, para as massas menos favorecidas. Com o real forte, os carros perdem competitividade. O México é um grande exemplo. A GM decidiu trazer o Astra da Europa já que, mesmo tendo que pagar em euros, obtinha um carro de uma qualidade superior que a permitia competir. A Renault traz o Mégane da Turquia e não de Curitiba. A Nissan importa a Frontier dos Estados Unidos, da mesma maneira que a Honda faz com o Civic.
O Brasil está mudando para melhor e nós sabemos disso. Mas ainda falta um bom pedaço do caminho para competir contra a qualidade de outros, como a japonesa, a européia e até a coreana. Enquanto não chegamos lá, uma campanha de imagem poderia ajudar e muito a reconquistar espaços que já foram nossos. O Brasil já teve mais de 20% de participação no mercado mexicano. Em 2007, esse número caiu para pouco mais de 11 por cento (128.119 veículos, de acordo com a ANFAVEA, a Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores). O mexicano, seja ele um consumidor final, um jornalista ou um executivo de uma montadora com capacidade de decisão, se pode escolher entre um produto brasileiro e um europeu, pagará até um pouco mais pelo segundo. Algumas vezes, ele terá razão na sua escolha. Em outras, o fará só por prejuízo. Neste último caso, um ação conjunta entre as armadoras, ou da ANFAVEA, para melhorar nossa imagem, pode recuperar muitas vendas que, neste momento, estão perdidas.
Sérgio Oliveira de Melo

Nenhum comentário: