sábado, 22 de novembro de 2008

EUA: não há plano viável para montadoras, diz senador

Uma fila de Mercedes Benz zero km reluzentes desembarca de um grande navio atracado em um cais de Long Beach. Em tempos normais, em prazo de poucas horas eles seriam carregados em caminhões para transporte a concessionárias de todos os Estados Unidos. Mas não vivemos tempos normais.
Por enquanto, o porto parece ser seu destino final. Dada a falta de procura de parte de comerciantes e compradores, milhares de carros, em valor de dezenas de milhões de dólares, estão sendo armazenados no terreno do porto, cada vez mais lotado.
E pela primeira vez, Mercedes, Toyota e Nissan decidiram todas as três arrendar espaço no porto para abrigar esses veículos órfãos. As montadoras estão transformando dezenas de hectares no segundo maior terminal de contêineres do país em um gigantesco estacionamento, o que cria uma imagem vívida de um setor automobilístico paralisado e de uma economia em risco.
"Essa é uma maneira de observar a situação econômica", disse Art Wong, porta-voz do porto. "E realmente assusta".
O amontoamento de automóveis no porto é apenas uma parte do acúmulo mais amplo de estoques no país, que em setembro registrou alta de 5,5% ante o total do mês em 2007, de acordo com o Departamento do Comércio americano. O setor automobilístico vem sendo especialmente prejudicado, com queda de 15% nas vendas, até o momento este ano. A General Motors (GM) anunciou que seu caixa operacional estaria esgotado até o final do ano, caso o governo não decida interferir para resgatar a empresa.
Mas o excedente de estoque acumulado em Long Beach não se limita aos carros importados. Também surgiu uma queda acentuada na demanda pela maior exportação do porto: produtos de papel e papel-cartão reciclados.
O material tipicamente é embarcado para China, onde é utilizado para produzir caixas para novos produtos eletrônicos e outros bens embarcados para os Estados Unidos. Mas as fábricas chinesas estão reagindo à queda na demanda por meio de cortes de produção, e isso reduz sua demanda por papel. Toneladas de papel estão se acumulando em empresas de reciclagem instaladas em torno do porto - os restos não aproveitados de uma economia que parece a ponto de se paralisar.
Long Beach é um porto importante, especialmente para a região oeste dos Estados Unidos. É por ele que os produtos importados chegam ao país, e são distribuídos por uma complexa rede de caminhões, trens e distribuidores até que cheguem às mãos dos consumidores. Mas agora os produtos simplesmente chegam ao porto e param. "Nosso trabalho supostamente é o de transportar coisas, não estocá-las", disse Wong.
Cerca de 20% das importações que chegaram aos Estados Unidos em contêineres no ano passado o fizeram por Long Beach, o que coloca o porto bem perto do maior terminal de contêineres do país, o de Los Angeles. Este ano, o volume transportado via Long Beach está 10% abaixo do registrado em 2007, e quase todos os grandes portos do país registraram declínios semelhantes. Veteranos trabalhadores portuários dizem que a desaceleração registrada desde a metade de outubro é a mais forte que já viram. E ela gera efeitos secundários sobre outras empresas e trabalhadores.
No terminal de 60 hectares no qual os carros da Toyota são desembarcados no porto, é possível ver um mar de modelos Corolla, Camry e Rav4. A simples presença de um número tão elevado de veículos não pode ser considerada incomum, já que a Toyota importa 250 mil carros ao ano para os Estados Unidos, em embarques quinzenais. Mas, para sinalizar os problemas econômicos recentes, na semana passada, havia caminhões-cegonha vazios estacionados entre as fileiras de automóveis.
Kurt Golledge, 48 anos, era um dos apenas dois caminheiros que estavam carregando seus veículos verdes de 22 m de comprimento, na semana passada. Ele contou que oito de seus colegas foram demitidos durante o mês porque as concessionárias da Toyota não estão aceitando mais entregas.
"Eu estava desembarcando carros em Henderson, Nevada, no mês passado, e o dono da concessionária me disse que os levasse dali e descarregasse em qualquer lugar", disse Golledge, funcionário de uma transportadora chamada Allied Systems. "E todas as concessionárias estão nos dizendo a mesma coisa".
As concessionárias de automóveis tipicamente fazem seus pedidos às montadoras com meses de antecedência, mas podem modificar os pedidos e receber menos veículos.
"Os navios continuam chegando, mas não temos para onde levar os carros", disse Golledge. Ele afirmou acreditar que os veículos que estava embarcando seriam a última carga que transportaria antes de ser demitido, e afirmou que já estava pensando sobre onde poderia conseguir um novo emprego.
Embora os embarques de alguns produtos tenham se reduzido, os carros continuam chegando em seu ritmo regular, especialmente porque as fábricas de automóveis podem demorar alguns meses até ajustar sua produção a mudanças na demanda. A Toyota está concluindo um acordo que permitirá que use 2,5 hectares no porto para estacionar carros, e está à procura de ainda mais espaço.
"A Toyota quer o máximo de espaço que possamos lhes dar", disse Gail Wasil, diretora assistente da divisão imobiliária do porto.
De sua parte, a montadora afirma que os estoques superiores aos comuns no porto de Long Beach resultam da queda na demanda, em especial no sul da Califórnia, um de seus maiores mercados. A empresa se recusou a dizer quantos carros tinha no porto, e por quanto tempo eles estariam por lá.
Sona Iliffe-Moon, porta-voz da Toyota, afirmou que a empresa já havia ajustado sua produção a fim de refletir a queda na demanda.
Wasil disse que a Nissan, cujos carros são desembarcados no porto de Los Angeles, estava em busca de um acordo com Long Beach para estacionar carros no porto. A Mercedes fechou acordo para usar mais áreas como estacionamento algumas semanas atrás, ela disse. Funcionários da Mercedes e da Nissan não responderam a contatos em que pedíamos seus comentários.
Encostar carros não vendidos não é procedimento incomum em Detroit, onde milhares de automóveis americanos que não conseguem encontrar compradores estão estacionados há dois anos no terreno da feira estadual de Michigan e em estacionamentos de aeroportos.
Mas é mais incomum ver um terreno em um porto da Califórnia ocupado por milhares de Mercedes Benz, a maioria dos quais já juntando poeira sobre a película plástica transparente que protege seus capôs e porta-malas. Alguns parecem estar estacionados no porto já há meses.
Na semana passada, a Mercedes entregou mais mil carros no porto de Long Beach, a bordo do Grus, um navio porta-contêineres de 176 m.
"Um ano atrás, eu estava pensando em comprar um desses para minha mulher", disse Kurt Garland, o gerente do terminal que estava supervisionando o desembarque dos modelos esportivos, utilitários e sedãs pretos, brancos e prateados. "Agora mudei de idéia. Estou economizando dinheiro, pagando minhas contas e me preparando para a tempestade".
Não longe de lá, metal, papel-cartão, papel e plástico se empilham no terreno da Corridor Recycling. A empresa adquire refugo em todo o país e depois o despacha em fardos para a China. O papel-cartão é usado para produzir novas caixas, e o plástico usado é transformado em solas de sapato e revestimento para sacos de dormir e casacos.
Por boa parte do ano, a empresa embarcava cerca de 25 contêineres ao dia, cada qual contendo 23 t de refugo a ser reciclado. Mas depois da Olimpíada de Pequim, caiu a demanda por metal reciclado. Em outubro, a demanda por tudo mais despencou, e nas últimas duas semanas a empresa não embarcou nem mesmo um contêiner.
"Paramos completamente. Zero", disse Gilbert Dodson, co-proprietário da empresa. "Já havia visto desacelerações nos últimos 25 anos, mas esta é a pior", ele disse sobre a atual crise.
Como os executivos automobilísticos, ele está em busca de novas formas de acomodar material em seu terreno. O material para reciclagem continua a chegar em grandes caminhões, embora ele esteja pagando apenas US$ 21 por tonelada agora, ante US$ 120 no começo do ano. Mas não há para onde exportar. "O material chega", ele diz, "mas ninguém quer comprar".

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