sábado, 22 de novembro de 2008

Para britânicos, crise automobilística não traz novidade

Uma grande montadora cujas marcas são sinônimo de estradas abertas. Centenas de milhares de operários sindicalizados que contam com forte apoio político. Um apelo urgente ao governo por assistência na forma de cheque em branco.

Não estamos falando da Ford e da General Motors (GM), mas da British Leyland, uma montadora de automóveis que nos anos 70 e 80 queimou 11 bilhões de libras (ou US$ 16,5 bilhões) em dinheiro dos contribuintes britânicos antes de enfim fechar as portas. Tudo que resta da empresa agora são lembranças de marcas glamorosas como a Triumph, e uma dolorosa lição sobre a efetividade limitada das operações de resgate.
"É uma situação muito evocativa", disse Leon Brittan, um dos principais assessores de Margaret Thatcher, primeira-ministra que apoiou os planos de resgate apesar de sua firme defesa do livre mercado. "Não estou dizendo aos Estados Unidos o que fazer, mas a lição que a experiência britânica oferece é a de que colocar dinheiro novo para recuperar prejuízos passados não funciona. A British Leyland se manteve ativa por mais alguns anos, mas não existe mais, existe?"
Outros especialistas repetem o alerta. "A experiência da British Leyland é relevante, e cautelar", diz John Casesa, sócio da consultoria automotiva Casesa Shapiro. "O governo decidiu tentar transformar em vencedora uma empresa repleta de falhas estruturais. O risco existe também nos Estados Unidos".
Ainda que as montadoras de automóveis continentais tenham se saído melhor que as britânicas, Casesa argumenta que a longa história de apoio pelos governos, na Europa, fez de empresas como Renault e Fiat líderes em seus mercados internos, mas não fora de seus países.
"Excetuadas Mercedes e BMW, as montadoras européias não conquistaram sucesso mundial", ele afirma, "E tampouco apresentam grande lucratividade".
Essas lições de história comparativa estão recebendo atenção intensificada à medida que o Congresso americano discute o destino de Detroit.
O resgate à British Leyland continua a ser um exemplo clássico de intervenção governamental fútil. A cooperação estreita entre governos e montadoras no continente europeu produziu resultados mais felizes.
Por meio século, depois da Segunda Guerra Mundial, o governo francês foi o maior acionista da Renault, e Paris ainda detém 15% das ações da companhia. Nos anos 80, ela recebeu uma injeção de capital de quase quatro bilhões de euros, em valores atuais, em uma operação de resgate. Agora, a empresa apresenta alta lucratividade - ao menos se comparada às congêneres americanas.
Hoje, a Opel subsidiária da GM, está apelando ao governo alemão por assistência, e solicitou cerca de um bilhão de euros em garantias de crédito, de acordo com Carl-Peter Forster, o presidente da GM na Europa.
Na segunda-feira, a chanceler alemã Angela Merkel anunciou que seu governo decidiria quanto ao pedido antes do Natal.
"Não está ainda decidido se essas garantias de empréstimos se tornaram necessárias", disse Merkel em Berlim, depois de uma reunião com Forster, outros dirigentes da empresa e líderes sindicais.
"Caso as garantias se tornem necessárias, os fundos devem ser mantidos apenas na Opel" da Alemanha, ela acrescentou, ecoando uma preocupação expressada por alguns norte-americanos quanto à possibilidade de que dinheiro de um possível pacote de resgate seja utilizado apenas para as operações norte-americanas das montadoras.
Para Garel Rhys, do Centro de Pesquisa da Indústria Automotiva na Universidade de Cardiff, País de Gales, a trajetória da General Motors lembra a da British Leyland não só devido à decisão da montadora americana de procurar assistência para evitar uma concordata como por sua perda lenta e aparentemente inexorável perda de mercado. "Ambas tinham um retrospecto como maiores empresas do setor em seus países, mas não foram capazes de se adaptar quando começaram a perder vendas", disse Rhys. "Não conseguiram reconquistar os consumidores".
As raízes da British Leyland são até mais antigas que o Ford modelo T. Até a década de 70, a empresa detinha 36% do mercado britânico, e controlava marcas populares como Austin e Morris, e marcas de luxo como Jaguar e MG. Mas a crescente concorrência das montadoras japonesas e alemãs, a baixa qualidade dos produtos e um rompimento de relações trabalhistas deixaram a empresa perto da falência em 1975, diz Rhys.
Michael Edwards assumiu como presidente-executivo da British Leyland em 1977, e apelou ao governo Thatcher por assistência alguns anos mais tarde, depois de reduzir a força de trabalho da companhia de 200 mil para 104 mil operários, fechando 19 fábricas.
O governo desembolsou 3,6 bilhões de libras, o equivalente a 11 bilhões de libras atuais, com a injeção final acontecendo em 1988. O resgate não ajudou a empresa a preservar seu quadro de funcionários ou sua participação de mercado, que caiu a 15% pelo final da década de 80. A empresa mudou seu nome para MG Rover e terminou adquirida pela BMW, que posteriormente a restabeleceu como companhia independente. A MG Rover faliu em 2005.
De acordo com Rhys, as empresas sucessoras da British Leyland empregam apenas 22 mil trabalhadores, ou 10% de sua força de trabalho máximo na metade dos anos 70.
"O retorno do plano de resgate foi medíocre", ele afirma. "Nosso sentimento, coletivo e nacional igualmente, foi o de que o país se queimou com a tentativa de resgate, e a experiência vem sendo usada como justificativa para negar pedidos de resgate, tanto pelos governos conservadores quanto pelos governos trabalhistas britânicos posteriores".
Edwardes ainda defende a assistência, alegando que preservou partes da empresa que continuam ativas, como Land Rover e Jaguar, adquiridas pela Ford. A Jaguar nunca propiciou lucro à Ford, e as duas marcas foram vendidas ao Tata Group, da Índia, em 2007, por cerca de 50% do valor pago originalmente.
Caso Washington decida ajudar Detroit, diz Edwardes, é crucial que o governo reforme o comando das Três Grandes montadoras americanas. "Não basta injetar dinheiro", afirma. "Precisam de dinheiro e uma nova administração. Precisam de ambas as coisas, não de uma ou outra".

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